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Channel: A ARTE DE EDUARDO SCHLOESSER
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O QUE VAMOS DEIXANDO PARA TRÁS.

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Por mais que eu tente não consigo deixar de sentir essa estranheza frente a tudo. Vinha tendo este sentimento desde que entrei na casa dos cinquenta, mas após a partida do meu pai isto se acentuou. Uma sensação que não me deixa confortável, afinal, eu penso que se nenhuma tragédia se abater sobre minha vida, ainda tenho uns bons anos para viver e produzir.
Após o Lançamento de ZÉ GATÃO - DAQUI PARA A ETERNIDADE eu pensei: pronto, já deu, o que tinha a provar para este mundinho de merda que é o meio dos quadrinhos brasileiros eu já provei e quando a bio do Poe vier a público fechamos com chave de ouro, só para demonstrar que consigo fazer algo nas HQs além de desenhar bichos. Mas aí veio aquela vontade irreprimível de continuar a produzir graphic novels, inclusive com o felino, pouco importando quais seriam os resultados, se chegariam ao público ou não e achei isto bom. Pretendo dar sequência assim que me veja livre de alguns compromissos.

Não sou um colecionador contumaz, mas tenho cá comigo as minhas manias. Possuo uns bons quadrinhos e muitos livros de arte na estante, além de literatura clássica e de mistério/fantasia e eles, no meio de meus papeis e tintas, compõem o único canto no mundo onde realmente gosto de estar, já que não posso mais dividir um espaço ao lado dos meus três irmãos; meu estúdio de produção só perde para o leito que divido com minha esposa, me sinto seguro ao lado dela.
Parei de comprar quadrinhos e DVDs sistematicamente por dois motivos: um é a falta de dinheiro (e também de espaço) mas principalmente por não ter mais aquele momento gostoso de relaxar e me deixar levar pelo que esses produtos possam trazer e eu acho isso negativo.

Eu e meus irmãos partilhávamos deste gosto pela cultura, principalmente filmes e quadrinhos, mas eu e o André - o médico - é que corríamos atrás. Teve uma época que nossa coleção de VHS tomou proporções pantagruélicas. Comprávamos filmes que saíam com os jornais e em ponta de estoque no centrão de São Paulo. Naquele período a rede Blockbuster fechou um bocado de pequenas locadoras e compramos uma penca de filmes legais a bom preço. Não tínhamos tanta grana, mas virou uma mania e chegamos a ter filmes raros e muitos não conseguimos nem assistir. Lógico, não tínhamos família pra cuidar e podíamos nos dar ao luxo de colecionar coisas assim. Com a chegada do DVD começamos a substituir aos poucos aquilo que nos importava, mas já sentia aí que era melhor ir com calma e selecionar o que realmente valia a pena.

O mesmo se deu com livros, assim que comecei a trabalhar com carteira assinada eu tratei de adquirir os clássicos: Madame Bovary, Divina Comédia, Dostoiévski, Voltaire, Poe, Camões e tantos outros. Nos anos 80 eu entrei para o Círculo do Livro e aí foi só alegria com o Nome da Rosa, Tchekov, a coleção completa de Sherlock Holmes e um vasto repertório de publicações contemporâneas. Em Sampa, eu e o André nos revezávamos em títulos de aventura e mistério que incluíam Júlio Verne, HG Wells, Lovecraft, Phillip K. Dick e o que mais fosse possível, muita coisa eu nem consegui ler, como alguns do Stephen King.

Hoje não é mais assim e não é só uma questão de dinheiro, isso se arranja, é que perdemos algo ao longo da jornada, como se nos motivássemos; longe uns dos outros, não trocamos amiúde as impressões transmitidas pelos filmes, quadrinhos e livros.
Gosto muito do Umberto Eco, tenho todos os livros dele até o "A Misteriosa Chama Da Rainha Loana", os últimos romances que ele publicou eu nem me dei ao trabalho de ler resenhas.

Meu DVD quebrou e ainda não mandei arrumar ou comprar outro para assistir esporadicamente os meus clássicos de cabeceira. Algo realmente ficou pelo caminho.

O que me fez pensar a respeito disso tudo o que escrevo hoje foi quando assisti a um videocast do Pipoca e Nanquim onde o tema era uma coleção de boxes em DVDs de clássicos do Si Fi e Terror. Material raro e imperdível para quem é fã deste segmento. Em outros tempos eu não mediria esforços para ter este material, assim como uma coleção de livros que disseca os bastidores de produções que me fizeram a cabeça como O massacre Da Serra Elétrica, Evil Dead, Sexta Feira 13 e outros. Hoje, embora exista o interesse, não tenho mais a velha disposição, e como já disse, não é só grana, é não ter mais meus irmãos por perto para dividirmos as sensações e opiniões.

Sei que tudo faz parte do processo. Na juventude queremos ganhar o mundo. Na idade madura sentimos que o mundo não está nem aí para nós. Na velhice (ou entrando nela) nos damos conta que já estávamos fadados à derrota pelo mesmo mundo que queríamos conquistar.

Meus irmãos e alguns amigos queridos foram mudados, assim como eu, pelas circunstâncias, pela vida ou pelo que for. Sei que isto é natural. Só não sei dizer se é bom.... acho que não é.

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