A vida é uma luta. Onde está a novidade nisso? Mas existem pessoas que não pensam desta forma. Conheço alguns que olham o lado bom de tudo (que Deus os abençoe! Precisamos de gente assim, que diga: tudo está bem, tudo vai ficar bem, senão seria o negrume total). Certamente esses não são os poetas, nem os músicos, nem os desenhistas, eu acho. O poeta precisa da dor como matéria prima para seus versos, e as canções mais tocantes são aquelas geradas por saudade ou coração partido. A literatura se alimenta do sofrimento para ter alma e corpo. Dom Quixote não me deixa mentir, as notas de Chopin não me deixam mentir, Florbela Espanca não me deixa mentir, nem os quadros mais intimistas de Rembrandt me deixam mentir. É a dor transformada em arte para que outros encontrem nelas um alívio para suas existências atormentadas. A Bíblia assevera em Eclesiastes capítulo 7 versículos 2 e 3: "Melhor é estar na casa do luto que na casa onde há banquete, porque ali se vê o fim de todos os homens; e os vivos aplicam ao seu coração. Melhor é a tristeza do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração."
Certamente sem o sofrimento não teríamos os belos versos de Carinhoso, de Pixinguinha; nem a força da escrita de Guimarães Rosa para a narrativa "A Hora e a Vez de Augusto Matraga. O cinema? Ah, sabemos que o cinema sempre se apropriou das outras artes para se sustentar, quando raramente trás algo de si mesmo no que diz respeito aos sentidos do ser humano - a tal percepção sensorial - não raro, são obras enfadonhas.
Mas porque digo isso? Não sei. Hoje a Vera perguntou, vai escrever sobre o quê? Eu respondi que não tinha nada planejado, que ao me sentar diante do notebook eu veria. Assim me veio a lembrança de um episódio que presenciei ontem a tarde (sábado) na lotérica para pagar uma conta; quando deu 16 horas a porta de ferro abaixou anunciando que o expediente havia encerrado. Num dado momento uma idosa, incapaz de se abaixar muito, obrigou uma das atendentes a levantar mais um pouco a grade para ela sair e nesse momento, muito espertamente, umas quatro pessoas aproveitaram para entrar. Mas detalhe, foram rápidas e furtivas e mesmo assim não escaparam aos olhos das funcionárias que advertiram: "vocês que entraram agora, não serão atendidos, o último da fila é aquele rapaz de camisa vermelha." Os 'espertos' fingiram que não era com eles, ficaram na fila mesmo assim, entre eles uma senhora de uns 60 anos.
Paguei a minha conta e enquanto conferia os valores e o documento vi o rapaz de camisa vermelha ser atendido e em seguida as moças dos caixas encerraram os serviços para revolta dos que chegaram uns minutos depois do horário de fechar. Seguiu-se ruidosa discussão. Principalmente por parte da senhora que usava sua idade como argumento e era rebatida pelas funcionárias que diziam não ganhar hora extra, horário é horário. Abaixei-me, passei pela porta de ferro e sai para o calor da tarde sem saber como terminaria o imbróglio.
Voltei para casa pensando no assunto, situações difíceis. Entendo as moças dos caixas e também já me vi na situação de chegar no banco para pagar uma conta no dia do vencimento e ficar de fora por um mísero minuto.
Um conhecido meu, boa praça, está usando uma sonda na uretra, algo que causa grande desconforto, por causa de cálculos nos rins, uma pedra obstruiu o canal urinário. Passei por algo semelhante e posso afiançar que faz sofrer.
O que fazer para ajudar? Nada! Palavras tem pouca força nessas horas. Eu oro no silêncio do meu estúdio esperando que o Senhor responda.
Nos últimos meses, ando mais sorumbático que nunca, trabalhos escassos, contas que podem atrasar.....e os velhos prazeres nas pequenas coisas parece que vão diminuindo a cada dia. Sinto falta da família. Alguns amigos (artistas e editores) da área dos quadrinhos sumiram, não respondem às minhas mensagens. Também eles estão ficando velhos e tem seus problemas.
Talvez por isto eu tenha iniciado este post de maneira um tanto amarga.
ZÉ GATÃO - SIROCO segue vagarosamente sendo trabalhado tendo a atmosfera desses ventos estranhos. Não há um roteiro formal, há uma linha narrativa mental que tenho e por ela vou me norteando, não faço tumbnails para me direcionar, mas faço vários esboços para as as cenas de ação e sangue e quase nunca fico satisfeito - o que atrasa bastante o material - e assim vou desenhando e colocando os diálogos. Os cenários são mínimos e saibam que não é preguiça, é uma espécie de homenagem a Krazy Kat com aqueles panoramas quase oníricos de planícies. Intento o máximo de organicidade a este projeto. Quero que ele saia sem que eu tenha que raciocinar demais, sem o planejamento costumeiro, sem a preocupação de agradar ou não. Ela está sendo gerada como um espirro, onde você não sabe quando vai sair, mas quando sai não há como evitar. Mas os que são fãs, não se preocupem, não é como a Garagem Hermética do Moebius, Siroco tem começo, meio e fim, é linear, só não tenho certeza se é bem contado. Isso veremos no final. E falando em final, nem sei como será publicado. Mas vou deixar para pensar depois. Uma coisa de cada vez.
Mais uma arte para o clássico de Artur Azevedo. Sabem, tenho saudades dos tempos que ilustrava esses livros.
Será que tudo vai melhorar? Esperemos em Deus que sim.
Abraços a todos!