Projeto em andamento. |
Hoje é o dia que os homens escolheram para comemorar o dia das mães. Certo, foi uma data criada para aquecer o comércio, assim como o dia dos pais, das crianças e outros mais, mas tá valendo, é um dia para confraternizar, almoço em família, comprar um presente, um ramalhete de flores, ligar (se não puder estar presente por um forte motivo). Se lembrar daquela que te gerou, amamentou, trocou suas fraldas, te embalou com cantigas e te protegeu com braços ternos. Feliz daquele que ouviu seus sábios conselhos e os põem em prática. Bem aventurado aquele que pode abraçar sua genitora. Eu não posso mais e quem me conhece um pouco sabe o quanto isso me pesa na alma, principalmente sem a presença do meu irmão. As vezes penso que estou bem e logo a certeza da perda me esbofeteia o rosto e sou tomado por uma espécie de medo, um certo desespero, um vazio causado pela certeza de que não vão mais voltar e eu nada posso fazer para reverter o processo. É quando as lágrimas vem em profusão e sou sugado por um buraco negro de solidão e...... aí rogo a Jesus para ajudar a me recompor e seguir adiante, firme, na certeza do reencontro na eternidade.
Esboço de um projeto em execução. |
Malgrado todas essas sensações - sentindo que sou outra pessoa, nem melhor ou pior do que antes de 2021, apenas mais macambúzio - tenho desenhado mais que nunca, talvez no afã de tentar expurgar a angústia do peito ou a carreira desesperada para não deixar que nada falte para a Verônica num mundo cada dia mais complicado pós pandemia e com uma guerra em curso no leste europeu. E quando falo desenhado mais do que nunca, não me refiro somente à quantidade de páginas, mas de uma forma mais natural. Pode ser que eu esteja enganado, uma sensação do momento caótico nesses dias febricitantes, talvez eu sempre estivesse nessa situação de correr atrás do tempo, me recordo de dias passados ilustrando livros com prazos apertados, tendo que alternar com álbuns de anatomia e a bio do Edgar Allan Poe e por recompensa um dinheiro minguado. Bem, o fato é que os esboços fluem mais fácil (quando não complico a vida com ângulos de câmera muito excêntricos, claro). Bom, depois de umas três décadas e meia diariamente com lápis e papel na mão é assim que deveria ser (ou não?).
É lógico que nessa toada doida, indo dormir sempre alta madrugada e acordando cedo a fadiga me tortura durante o dia, mas é um cansaço muito mais na alma do que no corpo, como se num momento eu fosse apagar repentinamente. Não consigo mais tempo para meus exercícios físicos ou leituras, coisas que outrora eram o meu escapismo. Tenho tido problemas de memória recente e dores nas articulações. Meu irmão médico diz que a idade conta muito, estou com 59, embora sinta a alma de criança, o mesmo menino medroso das décadas de 60 e 70. Pode ser que seja a morte já mordendo minha bunda, lembrando que a estrada já está chegando no fim. Pra mim está ok, acho que não tenho muito mais a acrescentar (se é que acrescentei algo) neste mundo.
Eu sempre gostei de desenhar, mas penso que comecei tarde na profissão. Sem referencial, sem modelos a seguir eu demorei demais a me profissionalizar. Escolas de arte eram uma utopia, não tinha como comprar livros, o jeito foi me virar usando modelos de revistas masculinas, de fisiculturismo e de moda como guia para obter alguns progressos, misturar tintas e cores até alcançar a pigmentação adequada (e olhem que sou daltônico) para minhas pobres pinturas.
Meu primeiro trabalho como qualificado eu consegui em 1986 e com um salário até bom, ali eu quase não ilustrei, mas compunha textos com letra set e normógrafo (não sabem o que é? Deem um Google). Isso me ajudou a angariar uma certa paciência, coisa muito necessária para quem quer ser um expert na arte do desenho. Na década de 90 eu me vi obrigado a superar as limitações que tinha para poder me inserir no mercado, eu tinha um traço mais acadêmico, muito calcado no realismo, em contrapartida minhas HQs nunca perderam a alma underground - ou alternativo, se preferirem - e não sei dizer se isso é bom ou ruim. Talvez seja bom se eu aprecio um traço com identidade forte, mas ruim por não ser adequando aos quadrinhos que rendem grana no mercado gringo (algo que desisti faz tempo).
Falando em anos 90, me lembrei deles ao assistir uma live do amigo Anderson, de Alvorada, no Rio Grande do Sul, onde ele comentava sobre sua coleção da revista Herói (publicação informativa sobre quadrinhos, animes e tutti quanti muito em voga naqueles tempos). Ali ele leu os nomes de alguns jornalistas que colaboravam no periódico. Boa parte deles eu conheci. Tirando uns poucos, a maioria era de uma arrogância sem tamanho. Ficou na memória dois orientais com quem tive o desprazer de me deparar ao levar portfólio para apreciação. Não vou citar nomes, mas um deles olhou minha pasta como se folheasse um jornal bolorento, até fez elogios à minha técnica de lápis mas nem me deixou entrar na editora, me dispensou na porta mesmo. O outro desde a primeira vez que me viu não foi com a minha cara, devia ter um metro e meio e parecia trabalhar em todos os lugares que eu ia, desde estúdios de desenho a editoras do porte da Escala. Onde ele pôde, me barrou. Não foram os únicos, claro, e isso fazia com que eu me sentisse um merda maior do que eu era. Lógico que haviam as exceções, como o Arthur e o Franco. Memórias, fragmentos da vida. Vaidade.
Essa semana que passou teve uma live no canal Milhas e Milhas do Cassio Witt com o editor da Atomic, fui bastante citado lá, participei do chat, inclusive. Breve o Zé Gatão - Siroco começa a ser trabalhado e segundo ele, em dois meses o álbum já começa a ser distribuído aos apoiadores. Sentirei falta do Felino, ele foi um fiel porta voz das emoções que eu deixei sair da alma, mas não tenho mais nada a comunicar através dele. Mas, se possível for, quero ainda fazer mais uns quadrinhos, curtos e longos, para mais um álbum no estilo Phobos e Deimos. Quem sabe quando eu não estiver fazendo três projetos encomendados eu dê início? Ou talvez não, tudo o que fiz na arte sequencial até hoje foi pouco compreendido.
Abraços a todos e fiquem bem.
Esboço de uma nova HQ em execução. |