Quantcast
Channel: A ARTE DE EDUARDO SCHLOESSER
Viewing all articles
Browse latest Browse all 708

O SONHO MORTO.

$
0
0


  Dizem que não devemos desistir de nossos sonhos. Concordo plenamente. Mas as vezes tem o caso de amadurecer e ver que aquilo outrora tão ansiado não tem mais relevância nos dias atuais.

Quando bem menino, eu sonhava em estar deitado numa cama bem grande e confortável, num local escuro, junto da minha mãe, minha avó e o irmãozinho recém nascido, todos protegidos das maldades do mundo. Não sei bem porque, talvez inconscientemente eu desejasse voltar à segurança do útero (esta é uma razão para eu ser tão radicalmente contra o aborto). Ok, esse negócio da segurança do útero demonstra como eu sou medíocre em psicologia, vamos ao sonho seguinte: queria encontrar uma mulher que me amasse muito, que estivesse ao meu lado em todos os momentos, que nunca colocasse algo ou alguém (excetuando Jesus) acima de mim - eu visualizava essa mulher com o rosto tipo da Nastassja Kinski - e que tivéssemos uns quatro filhos.

 Minha quimera seguinte foi a de ter uma grande casa, com sala e cozinha bem amplas, quartos espaçosos, e moraríamos todos, meus pais, irmãos com suas esposas e filhos, que fôssemos bem unidos e nos reuníssemos sempre para aquela abençoada tertúlia.

Minha ilusão mais recente, já depois dos cinquenta, foi o de ter grana para comprar uma quitinete numa comercial qualquer da Asa Norte, em Brasília (de preferência que ela ficasse de costas para a pista e de frente para a quadra - quem conhece a Capital Federal sabe do que falo) e nela montar o meu estúdio de trabalho, com meus livros, um frigobar e um sofá bem confortável para tirar uns cochilos entre os projetos. Neste delírio, cada um dos meus irmãos teria uma chave e poderiam ir até lá sem aviso prévio e sentar no sofá, pegar um livro, ou quadrinho e relaxar de suas agitadas vidas. Nunca vai acontecer, infelizmente, um deles não está mais aqui para que o encantamento fosse completo.

Meu devaneio como artista, se posso me olhar como tal, era o de pintar quadros a óleo, expor em galerias e fazer esculturas em argila (na faculdade cheguei a criar coisas bem interessantes, meio ao estilo Rodin). Aventura e fantasia eram meus temas, influenciado pelas capas das revistas do Tarzan que eu via nas bancas de revistas. Depois conheci o Frazetta, Boris e os Hildebrandt Brothers na Heavy Metal, foi uma droga injetada na minha veia que me viciou por toda a vida. Claro, depois conheci outros muito talentosos. Essa coisa de fantasia na arte não é nova, mestres como Rembrandt, Rubens e tantos, realizaram obras incríveis com temas mitológicos.

Eu nunca estudei pintura formalmente, tinha medo dos pinceis e tintas, mas por força da necessidade, para não morrer de fome, me aventurei pintar uns murais nas casas de uns bacanas no Rio de Janeiro e também uns batistérios de igrejas, ganhei elogios e alguns trocados. Também pintei paisagens e cavalos com guache em papeis camurçados para vender nas feiras hippies da Cidade Maravilhosa, mas já escrevi sobre isso.

No entanto o que eu desejava mesmo era pintar como meus ídolos. Um belo dia, na primeira metade da década de 80, deixei o medo de lado e comprei uns pincéis, tintas e cometi "artes" em umas placas de madeira que haviam em casa. No começo eu reproduzi, como pude, algumas obras das capas das Heavy Metal, sempre com meu toque pessoal, claro, depois arrisquei as minhas criações. Eu era bem medíocre, pra ser sincero, mas com o tempo eu acho que fui melhorando. Como tudo na vida, a prática ajuda a apurar. Já mais para o final dos 80 eu comprava grandes telas e ia dando corpo aos meus devaneios, consegui fotografar algumas, como pode ser visto aqui (embora a resolução esteja péssima) e quando eu estivesse num nível aceitável eu tentaria alguma carreira como pintor, tipo Juarez Machado ou José Roosevelt; claro, nunca cheguei aos pés desses artistas. Talvez, quem sabe, se eu tivesse continuado?

O que me brecou na pintura a óleo foram dois motivos: 1- meu retorno a São Paulo, eu não tinha dinheiro para materiais e muito menos espaço dentro do apartamento. 2- descobrir que não havia mercado para este tipo de trabalho no Brasil. O grande Benício talvez tenha sido a exceção, pintando capas de livros, cartazes de filmes para o cinema e até rótulos de produtos medicinais. Não havia demanda como nos EUA onde desde o início do século vinte brotaram muitos talentosos artistas dando vida com traços e tintas aos textos de Conan Doyle, Bran Stoker, Robert Louis Stevenson, Robert E. Howard, Edgar Rice Burroughs e etc. Aqui, o máximo que chegamos perto, pelo que sei, foi a revista Dragão, especializada em RPGs e logo percebi que era um nicho restrito a um grupo seleto. Ainda assim, graças a indicação de uns amigos legais, como o Arthur Garcia, consegui fazer umas capas para revistas de games (também já escrevi sobre isto aqui), foi o mais próximo que consegui de realizar o sonho de viver como ilustrador com este tipo de temática.

Os primeiros quadros que pintei (como os que ilustram este post) sumiram, nem sei onde foram parar. Doei alguns para um grande amigo que reside em Brasília e os demais, desconheço. Numa das tantas mudanças de residência, meu irmão caçula me ligou dizendo que não havia espaço para muita coisa que eu havia deixado na casa da minha mãe, livros, vinis e as telas a óleo com imagens de índios, ciclopes e cavalos alados. Claro, ninguém colocaria quadros deste tipo na sala da sua casa, talvez algum roqueiro muito doido. 

Rembrandt ficou bem de vida aceitando encomendas, pintando retratos coletivos,  quando abdicou disso para explorar seus anseios acabou ficando na miséria.   

Por essas razões eu sepultei esse sonho, pintar meus quadros quando não tivesse mais que matar um leão por dia para sustentar a casa. Tenho calafrios de pensar que essa luta toda está longe de acabar e..... talvez só acabe com a morte.

Há um pesadelo recorrente na minha vida envolvendo uma pessoa próxima, eu e minha esposa sofremos muito com isso, essa aflição recomeçou hoje. Deus nos ajude.

Queria muito poder estar com meus dois irmãos que sobraram, mas cada um deles tem que lidar com suas próprias tormentas.

Ainda tenho os quadrinhos para fazer minha catarse, ainda posso escrever meus desabafos aqui, ainda existem uns poucos bons amigos com quem posso contar. A vida ainda vale a pena.

Fiquem com  Deus.  




Viewing all articles
Browse latest Browse all 708